A cada ano, são registradas cerca de 230 milhões de prescrições de antidepressivos, o que faz desse tipo de medicamento o mais utilizado por adultos na faixa entre 20-59 anos nos EUA. Em 1956, um em cada vinte americanos utilizava algum tipo de tranquilizante. Em 1969, o Valium era o medicamento mais prescrito nos EUA. Os anos 1990 marcaram a invasão dos antidepressivos, principalmente dos chamados "inibidores seletivos de captação de serotonina" (SSRIs). Em 1994, o Prozac, batizado de "pílula da felicidade", se tornou o segundo medicamento mais vendido do planeta. Entre 1996 e 2001, o número de consumidores de SSRIs e outros antidepressivos dobrou: de 7,9 milhões para 15,4 milhões. No início deste século, a indústria farmacêutica investia cerca de U$ 2 bilhões anuais em publicidade de medicamentos antidepressivos.

Certa vez, entrevistei os sociólogos americanos Allan V. Horwitz, da Universidade de New Jersey, e Jerome C. Wakefield, da Universidade de Nova York, autores do livro The Loss of Sadness: How Psychiatry Transformed Normal Sorrow into Depressive Disorder (A Perda da Tristeza: como a Psiquiatria Transformou um Sofrimento Normal em Distúrbio Depressivo, ed. Oxford University Press). Eles acusam a psiquiatria contemporânea de confundir o sentimento normal de tristeza do ser humano com distúrbios mentais depressivos, porque ignora a relação dos sintomas com o contexto no qual emergem. Um de seus principais alvos é a bíblia dos médicos para o diagnóstico da depressão, o Manual de Diagnóstico para Distúrbios Mentais (DSM), da Associação Americana de Psiquiatria, o qual classificam de equivocado e defasado. Há pessoas que estão "normalmente tristes" e outras que sofrem de "distúrbio de depressão". Mas, segundo Horwitz e Wakefield, as que vivem momentos de tristeza são, de maneira crescente, diagnosticadas como "depressivas". Uma confusão com graves conseqüências para psiquiatras e seus pacientes, mas também para a sociedade em geral.
"Estudos na Nova Zelândia, nos EUA e na Suécia revelaram que, aos 26 anos, 44% da população teria vivido uma experiência de depressão. Impossível todos esses casos serem genuínos", diz Wakefield. E denuncia o fato de que a tristeza tenha praticamente perdido o direito de existir: "A tristeza, como a felicidade, é um complexo estado cognitivo-afetivo, e necessitamos dos dois, dor e prazer, para nos guiarmos na vida e sabermos o que é bom e nocivo". Proibir a tristeza provocada por uma ruptura amorosa, pela perda de alguém próximo, por uma decepção pessoal ou um problema profissional é banir um sentimento normal, que deve ser vivido, inclusive, para que possa ser superado.
Para Allan Horwitz, duas grandes tendências sociais colaboraram para que atingíssemos esse estágio. A primeira é a imperativa busca pelo sucesso em todas as áreas da vida, forçando as expectativas de performance individual. "A segunda é uma crescente intolerância com sentimentos tristes, fazendo com que as pessoas esperem ser felizes todo o tempo. Isso contribui para um forte desejo pela procura de remédios antidepressivos para aliviar o sofrimento, não importa o quanto normal ele possa ser", diz. Wakefield acrescenta que o foco na felicidade constante por meio de medicamentos e outras tecnologias libera a sociedade da responsabilidade de promover as mudanças sociais que poderiam, de fato, proporcionar o bem-estar do indivíduo.
Na Antiguidade, médicos como Hipócrates (460-377 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) já faziam a distinção entre "distúrbio da tristeza sem causa" e "tristeza normal com causa". O escritor francês Victor Hugo (1802-1885) definiu a melancolia como "a felicidade do estar triste". Na definição enciclopédica de Diderot, é "o sentimento habitual de nossa imperfeição". Em 1958, o cirurgião-geral L. E. Burney já alertava que "problemas do cotidiano" não podem ser "solucionados com uma pílula". Para Horwitz e Wakefield, o homem moderno fecha os olhos para a sabedoria do passado e se engana não somente de tristeza, mas também de felicidade.
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